27 de fev. de 2010

Natureza Redundante

Nunca vi pitbull manso,
Nem mulata sem balanço.
O que deu no noticiário,
Grandiosa redundância,
Deu-me até repugnância.
Eu já vi europeu albino
E também um anão chinês.
Gêmeo univitelino 
Nascido de japonês, 
Foi a primeira vez.

Iminência

Experimente
Ser um dos dois corpos
Em uma paixão iminente
E estarás por um triz
De ser muito feliz.

26 de fev. de 2010

Pena de Morte

Fosse eu
Presidente do amor
Seria a favor
De uma constituição
Que nos obrigasse
A morrer de paixão.

Torcedor

No futebol
Jogo muito melhor

No time torcedor.
Já no amor

Eu prefiro jogar
No time titular.

23 de fev. de 2010

Coroa do Rei

Uma coroa
Pro rei empossar,
Outra mais nova
Pro rei namorar.

Pescador

Enquanto
Pensa no amor, 
Pescador.

Quando

Pesca o amor,
Passa a dor.

Quando 

Passa o amor,
Pensador.

Enquanto

Pensa no amor,
Pescador.

22 de fev. de 2010

Barco de Papel

Barco de papel sem cor
De folha de papel em branco
Não vai me trazer amor.

O Menino, o Vampiro e o Pescoço

Tinha certeza que era só sonho. Um grande sonho. O que mais podia querer um menino de 12 anos, cheio de coisas a descobrir e tão dependente de tudo e de todos, além de liberdade e poderes? No seu sonho, era vampiro. Podia voar, podia correr tão rápido quanto pudesse imaginar. Tinha forças extraordinárias. Chupava os pescoços de donzelas, transformando-as em suas eternas admiradoras.

Acordou com um pressentimento estranho. Na verdade, era uma idéia fixa que não parecia ser só sua. No sonho, se transformara em vampiro quando, no recreio da escola, como de costume, a pedra que alguém arremessava pra cima tocava o chão, anunciando o começo da brincadeira. Apesar da descrença, era criança e, mais que isso, era um grande sonhador. Resolveu acreditar que aquilo fazia sentido e que deveria aguardar a pedra cair novamente para alguma coisa acontecer.

A primeira parte demorou a acabar. As aulas pareciam intermináveis, até a sirene tocar, anunciando o intervalo. Todos correram pro pátio. Uns ansiosos para a brincadeira, outros famintos. A correria, normalmente, começava no meio do intervalo, quando alguns já haviam se alimentado. Estava nervoso, porém quieto. Observava detalhadamente cada rosto ali presente. Também tinha um amor de criança. Ela estava logo à sua frente, onde sempre ficava nos recreios, junto às suas amigas. Ela também gostava dele. Os dois trocaram um olhar, bem rápido, mas significativo.

Sabia que a hora estava chegando. Alguns já haviam anunciado o começo da brincadeira em breve.  Aproximou-se do grupo, ainda quieto, diferentemente dos outros dias. Esperou. Logo todos se reuniram. Quem jogava a pedra era o pegador da vez. Esse tinha que pegar todos que corressem. A brincadeira acabava quando todos eram pegos. O pegador foi anunciado. A pedra já estava em sua mão. Num instante, sem esperar qualquer outro anúncio, um garoto jogou a pedra pra cima.

Aquele momento demorou a passar. A pedra, próxima ao chão, parecia ter percorrido um caminho maior do que de costume. Talvez tenha sido a força do garoto que a jogou, ou a ansiosidade, maior do que pudesse imaginar. A pedra caiu. Ele parou. Ficou ali empedrado por vários segundos até perceber que nada tinha acontecido. Num instante, sua feição séria e nervosa se transformara em tristeza e desolação. De cabeça baixa, ficou por mais alguns segundos.

Sentiu a proximidade de alguém. De repente estava sendo abraçado por uma menina. Era ela, a sua pequena amada. De longe, ela o observara. Havia percebido a mudança repentina e a tristeza que tomava conta do seu garoto. Por isso resolveu abraçá-lo. Sem saber o que fazer, aos poucos, ele retribui o abraço. O aperto ficou ainda mais forte e mais sincero. Então, ele começou a chorar. Agora, sem saber se era por desilusão ou por paixão. Chorou. Ela também o abraçou mais forte.

Ali, parado por quase um minuto naquele aperto bom, sem saber o que mais fazer, avistou o pescoço liso da menina que o abraçava. Estava próximo da sua boca. Sem pensar, mordeu-o. Não usou a força. Pelo contrário, foi quase um beijo. Ela mesma, nem percebeu. Se percebeu, gostou. Ele adorou. Mordeu e voltou a abraçá-la, agora com um sorriso escondido no canto da boca, como um vampiro que sorri após sugar sua presa. Foi aí que entendeu que pra ser vampiro não precisava aprender a voar assim, de um dia pro outro. Podia começar devagar, só mordendo os pescoços das donzelas. Nessa história, até se arrependeu um pouco de não ter feito isso antes da pedra cair.

Estrada

Apaixonada
Por um pedaço
De mau caminho
Seguiu sozinha
Cobrindo os buracos
Dessa longa estrada.

21 de fev. de 2010

Tendências

Enquanto 
Tendo amar
Com muita parcialidade

Reforçando 
O meu lado direito,
De te gostar de verdade

Você 
Só prorroga
Esta minha vontade

De 
Ser amado
Sem dor e maldade

E
Continua com esta
Completa imparcialidade.

20 de fev. de 2010

Problema Pontual

Uma coisa,
Por demais, 
Está errada.
Se as paixões 
São pontuais,
A minha 
Tá atrasada.

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Paixão Pra Quem Quer
(Por Ana Veet Maya)

Paixão ai que desgraça!
Não tem tempo pra vir não
corrói mais do que traça
acaba com teu coração.

Pede ao Universo teu par
amor que te arranque da terra
Insistes se queres achar
Não basta falar, vê se berra!

Grite palavras ao vento
Vibre certeza e calor
Assim nossa mãe ouvirá
E trará pra você teu amor!

*Este poema, a linda da escritora Ana Veet Maya fez em resposta ao "Problema Pontual", que já postei aqui. Gostei muito, Ana. Beijos!

19 de fev. de 2010

Estava Escrito

Debaixo de chuva, ela partiu. Agora, sem volta. Só a dor e a saudade voltariam, ora pra provocar a tristeza, ora pra ter a certeza de que fez o melhor que podia.

Ele aproveitou a chuva que caía lá fora, que assistia da janela da sala, pra retomar a leitura que abandonara na noite anterior. Deitou-se no sofá da sala, entre lampejos e o barulho da água que escorria do telhado de sua casa de campo, pegou o livro largado na escrivaninha do telefone e o abriu na página marcada.  Lá fora, o vento batia constante sobre as folhas das árvores, que balançavam de um lado pro outro.

Terror. Esse era o gênero que mais gostava. Perdia horas lendo histórias assim. Talvez, por isso, seu casamento também tenha se perdido. Ela jamais compreendeu tantas horas dedicadas aos livros e tão poucas dedicadas à história dos dois. Por fora, ele não se abalou tanto.  Ia aproveitar o final de semana para pensar melhor na sua vida e gastar um pouco mais de tempo consigo mesmo.

Na história do livro, a chuva caía cada vez mais forte. Lá fora, uma tempestade era anunciada a cada nova rajada de vento, que agora batia mais forte e sem ritmo. Gritos e tiros vinham de todas as partes, do livro e de fora da casa. Pela janela, viu árvores caírem, viu pessoas correndo e chorando, ouviu e sentiu o calor do fogo que chegou abrindo a mata que encobria sua casa.

Fechou o livro assim que conseguiu desgarrá-lo de suas mãos.  Lá fora, só o barulho do vento e da água que escorria da calha. Sentou-se no sofá, respirou ofegante, limpou o suor que descia de sua testa e se levantou. Foi até o quarto e, sem saber o que fazer, deitou-se sobre a cama bagunçada. Virou-se, ainda sem entender o que tinha acontecido, e encontrou, com os olhos perdidos, o livro que sua mulher havia deixado sobre a cabeceira. Instintivamente, pegou-o e leu a última página:


“Debaixo de chuva, ela partiu. Agora, sem volta. Só a dor e a saudade voltariam, ora pra provocar a tristeza, ora pra ter a certeza de que fez o melhor que podia. Era o amor de sua vida que deixara pra trás. À sua frente, um mundo desconhecido, que tinha medo de enfrentar sozinha. Porém, uma coisa ela sabia: atrás, dessa vez, ela não mais voltaria.”

18 de fev. de 2010

Chuva

Chuva
Que cai lá fora,
Que molha
A folha seca e o sujeito,
Não molha
A seca dentro do meu peito.

17 de fev. de 2010

O Bandido, o Herói e a Mocinha

Todo mundo
Tem um medo
Pra esconder.
O medo do bandido
Ninguém vê
Porque fica escondido
No que passa na TV.
O herói destemido,
Quero ver o maltrapido
Não temer.

Todo mundo
Tem um medo
Bem guardado.
Até o herói,
Que finge não amar ninguém,
Tem seu medo embrulhado.
Vive todo preocupado
Em disfarçar amar alguém.
Esse é o medo
Que o herói tem.

Todo mundo
Tem um medo
Assumido.
A mocinha tem pavor
Quando encontra o bandido.
Do herói, ela tem medo
E até chora,
Sente dor,
Por que acha que o herói 
Não tem amor. 

10 de fev. de 2010

Encontro das Águas

É no encontro das águas,
Que escorrem de dois corpos,
Que as mágoas se divergem.

Jangada

Lá se foi 
Outra jangada
Tragada pelo mar.
Tomara que ela volte
E me traga alguém 
Pra amar.

9 de fev. de 2010

8 de fev. de 2010

5 de fev. de 2010

O Carteiro Falante

Há muito tempo atrás, nos tempos de pé-de-guerra, existiu um rapaz que ficou muito falado e conhecido por sua generosidade. Diferente dos outros serviços de comunicação prestados à comunidade, o moço de pouca idade entitulava-se “O Carteiro Falante”. Seu trabalho era o seguinte: enquanto os homens das donzelas saiam para as batalhas contra os bárbaros, os ótimos, as bestas e os demais (monstros, dragões, urubus, tribufus, barangos), o Carteiro Falante ia de casa em casa, convocando as mulheres a se sentarem em suas varandas enquanto declamava os recados enviados por seus homens. As mulheres entusiasmavam-se por terem notícias de seus homens. Em troca, o Carteiro só lhes exigia uma resposta, em forma de carta escrita, redigida, rabiscada e digitalizada (impregnada de digitais) para ser enviada aos seus guerreiros amados.

O serviço que o Carteiro Falante prestava era, fundamentalmente, de utilidade pública, uma tentativa de tapar uma parte do buraco cavado pela saudade. Porém, nada ali declamado era verdade. É verdade que poucas duvidavam da veracidade do conteúdo poético-prosaico do Carteiro Falante, mas, não por isso, o rapaz foi condenado. Daí você me pergunta: “e o que ele fazia com as cartas que as donzelas redigiam?”. Isso jamais foi desvendado. Existem boatos que sugerem que o Carteiro era um homem solitário e que mal dormia. Por isso, gastava suas noites propagando histórias, enchendo os corações das senhoras (dos outros) de esperança e de boa saudade, para, em troca, nas madrugadas, poder sonhar a sua própria história de amor, lendo carta por carta e imaginando serem, todas, de suas amadas.

Abaixo transcrevo um trecho do texto introdutório às histórias que o pobre Carteiro Falante declamava às saudosas donzelas:

“Bom dia, minha senhora! Já tomou o seu café? E o banho? Vai outrora? Então venha aqui pra fora, pois lhe trago uma mensagem deferente de um velho conhecido que assina “Seu marido”, que também é “Seu querido”, “Seu amado”, “Idolatrado”, "Tão vivido", “O seu amor”. Se aprochegue na varanda que eu já vou começar a ladainha. Preste muita atenção na encenação, pois todas minhas caretas são suspeitas, mas porque também são pura imitação da representação que o seu velho me fez. Pois então, vamos começar. É um, é dois e é três (...)“.

3 de fev. de 2010

Mesa Pronta

Hoje, 
Levantei-me cedo,
Arrumei a mesa 
Do café pra dois.
O amor, deixei pra arrumar depois.

2 de fev. de 2010

Atalho

Pegou um atalho,
Saiu na Rua União.
Só percebeu o ato falho
Quando foi multado
Por excesso de solidão.

1 de fev. de 2010

Cão Tristeza

Um dia, ganhei um cão de presente. Chamei-o carinhosamente de Tristeza. Custoso como só ele, Tristeza fazia o que queria lá em casa. Até tentei controlar o danado, mas com Tristeza não tinha jeito, era dele o reinado. 

Um dia Tristeza fugiu. Meio confuso, não sabia se ia atrás ou deixava Tristeza de lado. Foi aí que ouvi uma voz de criança gritando lá de fora: “Olha mamãe! Que cão mais bonito. Posso ficar com ele?”. Aquilo me deixou atrapalhado. Como podia alguém gostar de Tristeza? Foi então que resolvi fingir que não tinha dono. Esperei um pouco antes de ir lá fora ver se Tristeza já tinha ido embora. A menina o carregava no colo com tanta alegria. De longe ainda ouvi sua mãe lhe perguntar qual seria o nome do cãozinho. Antes que respondesse, gritei: “É tristeza o nome dele!”. Na hora, tristeza pulou do colo da menina e veio correndo pra mim. Veio tão rápido que quase caí. Depois Tristeza ainda mordeu meu calcanhar antes de entrar correndo pra casa. A mordida doeu. As brincadeiras de Tristeza, quase sempre, me machucavam. Mas foi aí que eu entendi de verdade a importância de tê-lo em casa. No fundo, eu gostava dele. Na verdade, só quando conheci Tristeza que descobri o que era ser mesmo feliz.

Hoje, Tristeza não é mais o rei. A gente divide o trono. Ele não dorme mais comigo. Tem seu próprio quarto. Vez ou outra, escondido, ele chega e se ajeita por ali, na pontinha da cama. Mas hoje ele me obedece. É só eu dizer “Vai pro seu quarto, tristeza!” que ele sai rapidinho, com o rabo entre as pernas. Com Tristeza é assim: ou você o aceita com todos os defeitos mas trata logo de deixar claro quem que manda ou ele logo toma conta de tudo, na maior folga e frieza.