12 de abr. de 2012

Máquina do tempo



Na vontade de voltar a ser criança, mergulhou numa ideia totalmente fora de sentido. Ia construir sua própria máquina do tempo. Muitos já tentaram. Todos fracassaram. Mas, não. Não ia fracassar. Sabia que não. Mas tinha uma coisa que ainda não estava muito resolvida. Por que queria voltar àquele tempo? Não tinha recordações sobre essa etapa de sua vida, hoje tão distante. Nem sabia se o que tinha era lembrança ou apenas convicções que a vida e os que estão ao nosso redor nos fazem acreditar, como a convicção de que todos deveriam ser crianças para sempre. Talvez fosse esse o motivo de querer voltar.


Contudo, essa vontade, independente da motivação, estava mexendo cada vez mais consigo. Mas como construir uma máquina do tempo? Que tipo de equipamento precisaria para começar? Será que uma chave de fenda e alguns pedaços de madeira lhe serveriam? Partir do zero estava muito difícil. Talvez, se tivesse alguma recordação daquela época, que fosse um motivo pro regresso no tempo acontecer, esse projeto pudesse ganhar forma...  Começou a pensar. Pensou e se esforçou tanto para tentar se lembrar de algo, que sua cabeça começou a doer. E de tanto doer, adormeceu.

Dormiu a noite inteira, um sono profundo, cheio de imagens, de sons e ruídos... Tinha até cheiro. Um cheiro familiar. Era cheiro de infância. Da sua própria infância, tinha certeza. E era tão bom, que parecia real. Tão real, que certa hora chegou a desconfiar que fosse sonho novamente. E nesse instante, acordou de súbito, mas com uma sensação incrível, como se tivesse voltado no tempo. Como se o seu sonho fosse a máquina que tanto quis construir.

Com o passar dos dias, os momentos juvenis foram ficando mais claros em sua cabeça. A memória ficou fresca, cheia de instantes, brincadeiras, alegrias, ingenuidades... Cheia de lembranças. E uma coisa ficou evidente: a máquina do tempo não foi o sonho que teve. Aquele sonho construiu a máquina: saudade. E era ela, a saudade, que o transportava no tempo sempre que queria voltar.

Memórias


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4 de abr. de 2012

Depois do amor (2)



O que será que vem depois do amor? Foi o que se perguntou depois do último amor que teve. Aliás, teve vários amores na vida, mas nenhum pra chamar de “o grande amor”. No entanto, depois desse, começou a se perguntar: o que será que vem depois do amor? Depois de amar bastante, até não mais caber, até passar do limite, o que será que vem? Será que existe vida além do amor? Se existe, que vida é essa? Se não, como se chamaria esse sentimento? Seria um sentimento? Ou um lugar? Seria nada? As dúvidas começaram a ocupar seu pensamento e enchê-la de incertezas, ao mesmo tempo em que se enchia de vontades. E quis amar até não mais amar (ou amar além). E amou.
Começou como sempre fazia, gostando, mas logo amou em demasia. E o amor, que no começo era uma coisa meio desajeitada, meio sem motivos, passou a ser natural. E, naturalmente, foi amando sempre mais. Amou bastante. Amou como nunca havia imaginado poder amar. Amou e também foi amada. Foi amada por uma pessoa que jamais pensou poder amá-la: si própria. E descobriu que não conseguiria mais viver sem esse amor. Ela era o grande amor de sua própria vida. Sentiu-se amada como nunca. Foi tanto amor e reciprocidade que um dia ultrapassou o limite, sem perceber, sem se lembrar de querer. E esse dia, o último do amor, foi o primeiro de um anjo.