30 de out. de 2009
Especialista em Coisa
Esse negócio
Que você diz que sente,
De te doer as costas,
De ter dor no dente,
Que você diz que gosta
E que você diz que sente.
Esse negócio
Que te dói os braços,
Que as vezes coça,
Que, pra todos, mostra
E, pra ninguém, mente.
Esse negócio,
Posso estar errado,
Mas ainda quero
Que você me ouça.
Não parece
Que é muito sério,
Mas parece
Que é alguma coisa.
29 de out. de 2009
Toda Menina
Toda menina que é magra
Queria ser um pouco
Mais gorda.
Toda Menina que é santa
Queria ser um pouco
Mais doida.
Toda menina que canta
Queria ter voz de
Mulher rouca.
Toda menina que samba
Queria ter a cadeira
Solta.
É que menina que muito tem
Acha sempre que a vida
É pouca.
Ter muita coisa na vida
Te tira do sério
E te deixa louca.
Samba menina
Toda retorcida,
Esquece o que você tem.
Samba menina
Que uma sacudida
Nunca fez mal pra alguém.
27 de out. de 2009
O Ticket
26 de out. de 2009
Medo Dobrado
Tem gente
Que não tem jeito.
Ao invés de criar gato,
Preá, lesma ou rato,
Resolve criar cachorro,
Tipo cachorro do mato.
Voltando do supermercado
Fiquei meio aperreado
Com um cartaz que dizia:
"Procura-se um procurado".
Não sabia se corria
Da maldita redundância
Ou do malvado Pitbull
Perdido na vizinhança.
22 de out. de 2009
Palavra
Como é engraçado
Perceber as palavras.
Algumas se amam,
Outras se odeiam.
Umas com as outras,
Outras meio loucas
Que, junto com outras,
Formam outras coisas.
Sozinhas,
Algumas são fortes.
Várias juntas talvez
Não aguentem a força
De uma de pequeno porte.
Mas são sempre palavras,
Das mais comuns
Às mais distintas.
São sempre palavras.
As vezes amadas,
Que sempre cativam.
Outras que agridem,
São as mais esquecidas.
Substantivos e artigos.
Adjetivos.
Tem as antônimas
E também as sinônimas,
Sempre a favor.
Às vezes de rir
Outras de chorar.
Aonde for,
São sempre palavras.
No entanto, se um dia
Fosse escolhida
Apenas uma palavra
Pra representar essa vida,
Dentre as palavras,
A escolhida
Seria a menos esperada.
Talvez, a menos percebida.
Seria, pra sempre,
Palavra.
20 de out. de 2009
Filho da Mãe
Pedrinho comia as unhas. Todas. Não sobrava uma para enganar sua mãe. Essa, que se esgotava brigando com o menino, travava uma luta constante contra o mau caminho que Pedrinho desenhava para si mesmo.
Não bastassem as unhas, tinham as toalhas. Inacreditavelmente, Pedrinho largava, todos os dias, a toalha molhada na porta do quarto. Isso quando não sobrava pra cama. Toalha jogada na cama era imperdoável.. Nada mais triste para uma mãe, que cuidou tão bem de seu filho, que de tudo deu a ele, do que ver uma toalha molhada em cima da cama.
Os anos foram passando e sua mãe, já sem forças para fazer alguma coisa, aos poucos, entregava Pedrinho à vida. Nem as vasilhas do almoço o menino lavava na hora certo. Fora os dias em que ele nem lavava. Sempre dizia que era esquecimento, mas sua mãe sabia que era pura maldade, falta de compaixão e de amor por ela. Seu filho não queria mais saber da mulher que tanto zelou por sua vida com muito carinho, coisa que só mesmo uma mãe poderia fazer. Amor de mãe.
Ela queria mesmo é morrer. Não tinha mais motivo para a vida. Por que não ser ladrão, drogado, assassino em série, quem sabe? Não, ele nasceu como a maioria, normal. Os médicos avisaram que ele seria assim e que, certamente, não apresentaria muitos problemas durante seu percurso existencial. Pena ela não ter dado ouvidos à ciência. Sua descrença a fez ignorar os fatos.
Hoje, Pedrinho colhe o que plantou. Seu quarto é uma desordem. Roupa suja no lugar de roupa limpa, chulé, brinquedos na sala, cueca no chão... A lista é extensa. E ele já tem dez anos. Se nessa idade sua vida é essa desordem, o que será do futuro desse pobre coitado? É mais um caso perdido.
Todos os dias, antes de se deitar, sua mãe se ajoelha e pede perdão pelo que fez, sem se conformar com tanta desgraça em uma única vida. É um preço alto que paga por alguma coisa que fez de errado. Não é justo. Como mesmo disse um dia a seu marido, “A margem de lucro desse negócio está muito alta”.
19 de out. de 2009
O Fio do Gordo
16 de out. de 2009
Maridão
Neste casamento, podia-se dizer que o marido era a mulher, e a mulher era o macho da relação. Tudo que ela queria, o maridão fazia e ai dele se não fizesse. E não passava em branco. Todo dia a maridona fazia questão de deixá-lo mais mulherzinha. Sempre tinha um motivo para uma nova bronca. Até que o homenzinho da relação falou mais alto. Claro que apanhou, mas falou e não ficou só nisso:
- Eu não agüento mais essa vida. Vou embora!
Depois de umas cacetadas bem dadas, ele saiu mesmo de casa. Está certo que não foi pela porta da frente, mas a janela também fica na frente, seu orgulho não foi tão ferido. Doído mesmo foi cair sobre a roseira do quintal, mas pra quem já tinha apanhado do tanto que apanhou, não fazia diferença.
- Você vai voltar, eu sei! Você não vive sem mim. E quando voltar vai apanhar ainda mais.
Foram as últimas palavras da sua amada. Mas ele foi mesmo embora de casa. Sem saber pra onde ir, afinal ele só tinha isso, uma casinha e uma mulher, acabou parando no bar onde encontrou alguns amigos. Contou sua história aos companheiros que se orgulharam da atitude de homem que tomou em sua vida.
Conversa vai, conversa vem, encorajado por alguns e também pela cerveja, o maridão decidiu ligar pra casa e dizer pra esposa que agora estava feliz com a sua nova vida.
- Alô!
- Êpa! Quem está falando?
- Rogério! Quem fala?
- Quem fala? Aqui quem fala é o cara que vai acabar com você! está ouvindo, seu tarado? Cadê minha mulher? Passa pra ela!
- Aqui não tem mulher de ninguém! Quem está falando?
- Seu cretino! Eu sabia que ela também não valia nada. Passa pra ela que...
O cara do outro lado da linha desligou o telefone. Isso deixou o maridão ainda mais nervoso. Decidido, resolveu ir até a sua casa encarar a situação e o cara da voz rouca. Quando chegou era tarde. As luzes estavam apagadas, a porta trancada. Decidiu entrar pelo mesmo buraco que saiu. De tão bêbado, quando conseguiu entrar, estava impregnado de espinhos e folhas da roseira.
O plano era entrar em silêncio, mas o álcool já havia tomado conta do seu corpo. Saiu esbarrando em tudo que tinha pela frente até chegar ao quarto. Devagar, foi abrindo e preparando o flagrante. Antes de pensar em o que dizer, tomou uma paulada nas costas, outra na perna e caiu.
- Eu sabia que você ia voltar, seu cachorro. Você não vive sem mim.
- Cadê o tarado?
- Que tarado, homem?
- Rogério, o do telefone. Cadê? Eu vou matar esse cara!
- Deixa de conversa e vira homem! Que desculpa é essa pra voltar?
- O da voz rouca. Você sabe! Para de me enrolar! Você não me ama mais...
- Para de chorar! Rogério da voz rouca? O seu cunhado? De tão bêbado você ligou pra sua irmã! Eu não acredito que você fez isso. Que vergonha do Rogério.
- Você me traiu com o meu cunhado?!
- Ai! Você me paga!!!
E então o maridão apanhou mais um pouco até pegar no sono, ali mesmo no chão. Mas era assim que ele gostava. Na vida ele nunca foi assim, um maridão. Sempre foi um filhinho, que gostava de apanhar e ouvir as broncas da mãe. Talvez fosse só preguiça. As broncas foi o jeito que arrumou pra pagar pela sua pouca disposição em ajudar. Com outra pessoa, talvez não conseguisse levar a vida assim, tão mansa. Sua mulher também sabia que aquele era o jeitão do marido. Apesar do cansaço, ela gostava, mas não podia fazer o serviço todo assim, de graça.
14 de out. de 2009
Amor de Turco
13 de out. de 2009
Só
8 de out. de 2009
Por Cima Não Dá Mais
7 de out. de 2009
Filho do Mar
A sua paixão era a sua labuta. Era pescador. Tanto gostava que, mesmo quando a noite chegava, era difícil tirá-lo do mar. No tal do oceano o pescador encontrou seu amor. Ela também pescava, e amava a tal água salgada.
Desse amor de jangada nasceu uma criança que encheu os olhos do pai de esperança. Seu filho ia ser pescador. Tão cedo os olhos se abriram, seus pais o pegaram e partiram. Levaram o filho pro meio do mar. Ia logo aprender a pescar.
Primeiro, era muito importante aprender que nem tudo que pescavam podiam comer. Tinha peixe grande que não podia pescar. Precisava voltar para o mar. Na primeira fisgada, seu pai trouxe ao barco um peixão. Na ânsia de soltar o marinho, não percebeu que jogou o seu filho ao mar. E o peixão, no barco, não podia ficar.
Muito atordoado, o pai pulou ao mar assim que viu o engano. Foi atrás de seu filho. Sua mãe ficou desesperada. Dessa vida não queria mais nada além do seu pequenino. Com a chegada da noite, seus pais se consolaram. O menino, não encontrariam. Voltaram pra terra, praquela vida vazia. O que fariam, ninguém sabia. Alguma coisa aconteceria.
Anos se passaram. Mãe e pai tocaram suas vidas em frente. Agora em terra firme, pro mar nunca mais voltariam. Até, de repente, suas vidas se encherem de calos. Pro mar, teriam que embarcar. Precisavam comer pra viver.
Quando a jangada partiu, a mãe ficou emocionada. Era difícil recordar o passado. O tempo passou e ela nem viu.
A luta no mar foi difícil. Enquanto o pai se cansava tentando pescar, a mãe se agüentava tentando atar a emoção. Ela sabia que era da pesca que ia tirar o tostão pra viver.
Dois dias se passaram e nada de peixe. O mar nunca foi tão sozinho. Onde estava a vida salgada daquela imensidão? Na luta, pai já não tinha mais força. Era a mãe quem tentava pescar alguma coisa antes de desistir e cair.
Estirados na embarcação, pai e mãe não podiam mais nada fazer a não ser desistir. E de supetão, quando tudo parecia ter acontecido, nas águas começou um agito. Peixes começaram a pular pra jangada. Era tanto peixe que os dois não enxergaram mais nada em meio ao cardume que chovia do mar.
Em meio à alegria estampada, pai e mãe se sentaram no último espaço que sobrou da jangada. Se abraçaram e, sem pestanejar, o pai que falou: esse milagre eu sei bem quem fez. Nosso filho se foi bem aqui, nesse mesmo lugar. O filho que um dia foi nosso, hoje é, sem dúvida, o filho do mar.
Na partida de volta pra casa, a mãe, ao se virar para trás, como num vulto, conseguiu enxergar bem no meio do mar dois pontinhos brilhantes, e não teve dúvida: era seu filho. Os olhos radiantes eram iguais aos do pai quando a olhou pela primeira vez.
Depois daquele dia, os pais se encorajaram e voltaram a pescar. Na ida, a mãe se enchia de alegria. É que, no fundo, ela sabia que sempre que ia, ficava mais perto do filho do mar, o grande amor da sua vida.