A poucos minutos da água chegar, o último ônibus partira deixando apenas os dois para trás. Em breve, a cidade inteira estaria inundada.
A decisão de ficar foi conjunta. Ali era o único lugar onde
os dois se sentiam felizes de verdade. Não conseguiam imaginar a felicidade
morando em outro endereço. Foi ali que se
conheceram e se amaram por todos os dias seguintes.
Talvez fosse o medo de perder um amor construído naquele
lugar. Medo de não conseguir carregá-lo na mudança. Pra eles, parecia que o amor
tinha casa e também portão.
A água chegou mansa. A rua de pedras começou a se encharcar.
Em poucas horas, a água cobriu-lhes o peito. Ela o abraçou bem forte. Com um dos
braços, ele a agarrou pelas costas enquanto segurava tensamente com o outro as
grades de aço do portão da casa dela. Aquele mesmo portão onde se encontravam
todos os dias, em hora marcada, às vistas do pai. Um portão que, agora, estava
inundado também pelas águas da nova represa.
Em poucos segundos, a água cobriu-lhes o rosto. Alguns minutos
de angústia deram lugar a uma cena de mais profunda calma. Debaixo d’água e em
frente à velha casa, paralisados como numa fotografia antiga do primeiro encontro, os dois selaram o
amor no mais longo e molhado beijo de todos que já haviam dado.