O futebol na rua ia sempre até a noite chegar. Às vezes passava, e mesmo de noite, a pelada continuava. No entanto, a verdade era que o futebol ia sempre até alguém jogar a bola na casa abandonada. O jogo sempre acabava quando a bola parava por lá. Era uma casa diferente. Não só assombrada, mas uma incógnita. Ninguém sabia se era mesmo uma casa assombrada. Mas até que provassem o contrário ela era assombrada. Quando a bola caia por lá, alguém tinha que pular pro quintal para pegá-la e o futebol sempre perdia a graça. Acabava. Era a hora de terminar. Por sorte, a bola nunca tinha quebrado um vidro da casa, parava ali mesmo no quintal. Não até aquele dia.
Todos saíram correndo quando Marcos, o dono da bola, a arremessou longe como um zagueiro nos minutos finais de uma Copa do Mundo. Marcos ficou ali parado pensando na sua bola, que agora estava lá dentro daquele castelo escuro e quieto. Não tinha outro jeito, ele teria que entrar. Não podia correr como os outros e ficar sem a bola. Seu pai não lhe perdoaria. Chorou tanto para tê-la e agora ficaria sem por causa de uma casa escura e calada. Não. De algum jeito Marcos arrumaria coragem para buscá-la.
Pulou o portão, como sempre faziam, entrou pelo quintal. A porta era de metal com preenchimento de vidro. Todos quebrados. Marcos enfiou a mão por fora e abriu a porta, que rangeu como se nunca tivesse sido aberta. Tremeu como uma verdadeira vara verde de bambu. Sentiu um vento que vinha de dentro da casa. Lá fora nenhuma folha de árvore se mexia. O piso era todo de madeira velha que conversava com Marcos a cada passo que dava. O chão falava. Falava para Marcos tomar cuidado. Nunca se sabia o que estaria lá em cima, muito menos embaixo da casa velha. Marcos foi para as escadas, morrendo de medo. Estava muito escuro. Não tinha interruptor. A casa era tão velha que não tinha fiação elétrica. Somente suportes nas paredes para as velas, como nos velhos casarões.
Devagar, Marcos foi subindo uma a uma as escadas. A cada degrau, um rangido diferente. Parecia choro. Marcos pisava e a casa velha se lamentava.
No meio das escadas, o garoto ouviu um barulho. Parecia burburim de pessoas conversando. Que medo teve o jovenzinho. Sua bola já não valeria tanto. Mas além do medo, Marcos teve curiosidade. Que conversa era aquela? De onde vinha? Quem eram essas pessoas? E a sua bola? O que estaria fazendo lá, no meio desse amedrontoso cômodo?
Marcos continuou a subida por aquela escada comprida e castigada pelo tempo. Ouviu o barulho de bola no chão como se jogassem futebol, ali mesmo naquele piso de madeira. Mas Marcos ainda não via nada além de escada. O que estava acontecendo por ali? Marcos rezou e tremeu. Mais tremeu que rezou.
Silêncio. O barulho parou de repente. Marcos não ouvia mais nada. Continuou a subida, devagar, até avistar uma porta. Dela saia um feixe de luz forte. Por baixo, dava para perceber movimentos e uma luz branca e forte no interior do cômodo. Seria uma passagem pra um plano espiritual ou só uma sala de reuniões dos condôminos do bairro? O que era aquilo que deixava Marcos cada vez mais branco e perto da morte? Antes de pensar se sairia correndo ou se desmaiaria ali mesmo a porta se abriu. Uma enorme silhueta se formou diante de Marcos e a porta aberta. O garoto não pensou e só correu como correria em uma última tentativa de manter-se vivo. Correu tanto que não conseguiu ouvir a voz que ria e gritava: “a sua bola, garoto! Não se esqueça da sua bola”.
Marcos não sabia o que contar. A história poderia ser assombrada ou cômica, dependeria de como Marcos a contaria. Sabia que ninguém acreditaria em nada, muito menos seu pai que lhe castigaria pela perda da bola. Mas acima de tudo ficava a pergunta acesa na mente de Marcos: se não tinha energia na casa, de onde vinha aquela luz?
3 comentários:
Era um espírito brincalhão!
o texto no todo ficou muito bom e, como se não bastasse, tem umas partes ótimas!
:)
conseguiu prender minha atenção e o suspense até o final!
Descupa o comentário mas se está no inferno, abraça o capeta, né?
pegasse a bola, oras!
=*
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