Tinha certeza que era só sonho. Um grande sonho. O que mais podia
querer um menino de 12 anos, cheio de coisas a descobrir e tão dependente de
tudo e de todos, além de liberdade e poderes? No seu sonho, era vampiro. Podia
voar, podia correr tão rápido quanto pudesse imaginar. Tinha forças
extraordinárias. Chupava os pescoços de donzelas, transformando-as em suas
eternas admiradoras.
Acordou com um pressentimento estranho. Na verdade, era uma idéia
fixa que não parecia ser só sua. No sonho, se transformara em vampiro quando,
no recreio da escola, como de costume, a pedra que alguém arremessava pra cima tocava
o chão, anunciando o começo da brincadeira. Apesar da descrença, era criança e,
mais que isso, era um grande sonhador. Resolveu acreditar que aquilo fazia sentido
e que deveria aguardar a pedra cair novamente para alguma coisa acontecer.
A primeira parte demorou a acabar. As aulas pareciam intermináveis,
até a sirene tocar, anunciando o intervalo. Todos correram pro pátio. Uns
ansiosos para a brincadeira, outros famintos. A correria, normalmente, começava
no meio do intervalo, quando alguns já haviam se alimentado. Estava nervoso, porém
quieto. Observava detalhadamente cada rosto ali presente. Também tinha um amor
de criança. Ela estava logo à sua frente, onde sempre ficava nos recreios,
junto às suas amigas. Ela também gostava dele. Os dois trocaram um olhar, bem
rápido, mas significativo.
Sabia que a hora estava chegando. Alguns já haviam anunciado
o começo da brincadeira em breve. Aproximou-se
do grupo, ainda quieto, diferentemente dos outros dias. Esperou. Logo todos se
reuniram. Quem jogava a pedra era o pegador da vez. Esse tinha que pegar todos
que corressem. A brincadeira acabava quando todos eram pegos. O pegador foi
anunciado. A pedra já estava em sua mão. Num instante, sem esperar qualquer
outro anúncio, um garoto jogou a pedra pra cima.
Aquele momento demorou a passar. A pedra, próxima ao chão, parecia
ter percorrido um caminho maior do que de costume. Talvez tenha sido a força do
garoto que a jogou, ou a ansiosidade, maior do que pudesse imaginar. A pedra
caiu. Ele parou. Ficou ali empedrado por vários segundos até perceber que nada
tinha acontecido. Num instante, sua feição séria e nervosa se transformara em
tristeza e desolação. De cabeça baixa, ficou por mais alguns segundos.
Sentiu a proximidade de alguém. De repente estava sendo
abraçado por uma menina. Era ela, a sua pequena amada. De longe, ela o
observara. Havia percebido a mudança repentina e a tristeza que tomava conta do
seu garoto. Por isso resolveu abraçá-lo. Sem saber o que fazer, aos poucos, ele
retribui o abraço. O aperto ficou ainda mais forte e mais sincero. Então, ele
começou a chorar. Agora, sem saber se era por desilusão ou por paixão. Chorou.
Ela também o abraçou mais forte.
Ali, parado por quase um minuto naquele aperto bom, sem
saber o que mais fazer, avistou o pescoço liso da menina que o abraçava. Estava
próximo da sua boca. Sem pensar, mordeu-o. Não usou a força. Pelo contrário, foi
quase um beijo. Ela mesma, nem percebeu. Se percebeu, gostou. Ele adorou.
Mordeu e voltou a abraçá-la, agora com um sorriso escondido no canto da boca,
como um vampiro que sorri após sugar sua presa. Foi aí que entendeu que pra ser
vampiro não precisava aprender a voar assim, de um dia pro outro. Podia começar
devagar, só mordendo os pescoços das donzelas. Nessa história, até se
arrependeu um pouco de não ter feito isso antes da pedra cair.