Debaixo de chuva, ela partiu. Agora, sem volta. Só a dor e a saudade voltariam, ora pra provocar a tristeza, ora pra ter a certeza de que fez o melhor que podia.
Ele aproveitou a chuva que caía lá fora, que assistia da janela da sala, pra retomar a leitura que abandonara na noite anterior. Deitou-se no sofá da sala, entre lampejos e o barulho da água que escorria do telhado de sua casa de campo, pegou o livro largado na escrivaninha do telefone e o abriu na página marcada. Lá fora, o vento batia constante sobre as folhas das árvores, que balançavam de um lado pro outro.
Terror. Esse era o gênero que mais gostava. Perdia horas lendo histórias assim. Talvez, por isso, seu casamento também tenha se perdido. Ela jamais compreendeu tantas horas dedicadas aos livros e tão poucas dedicadas à história dos dois. Por fora, ele não se abalou tanto. Ia aproveitar o final de semana para pensar melhor na sua vida e gastar um pouco mais de tempo consigo mesmo.
Na história do livro, a chuva caía cada vez mais forte. Lá fora, uma tempestade era anunciada a cada nova rajada de vento, que agora batia mais forte e sem ritmo. Gritos e tiros vinham de todas as partes, do livro e de fora da casa. Pela janela, viu árvores caírem, viu pessoas correndo e chorando, ouviu e sentiu o calor do fogo que chegou abrindo a mata que encobria sua casa.
Fechou o livro assim que conseguiu desgarrá-lo de suas mãos. Lá fora, só o barulho do vento e da água que escorria da calha. Sentou-se no sofá, respirou ofegante, limpou o suor que descia de sua testa e se levantou. Foi até o quarto e, sem saber o que fazer, deitou-se sobre a cama bagunçada. Virou-se, ainda sem entender o que tinha acontecido, e encontrou, com os olhos perdidos, o livro que sua mulher havia deixado sobre a cabeceira. Instintivamente, pegou-o e leu a última página:
“Debaixo de chuva, ela partiu. Agora, sem volta. Só a dor e a saudade voltariam, ora pra provocar a tristeza, ora pra ter a certeza de que fez o melhor que podia. Era o amor de sua vida que deixara pra trás. À sua frente, um mundo desconhecido, que tinha medo de enfrentar sozinha. Porém, uma coisa ela sabia: atrás, dessa vez, ela não mais voltaria.”
3 comentários:
Lucão, meu querido filhote... a chuva na calha foi ótimo... faltou uma folha de flandres para escorrer a goteira...rs... faltou o vento se cortando entre as folhas assustadas... mas foi ótimo... amei... tudo... não faltou foi nada... PARABENS pelo texto, pelo layout do blog e pelo trabalho... beijos literarios...
E fica um eco de chuva, a escorrer pela alma...
Que coisa linda, Lucão!
Beijo grande!
Gostei disso, hein?
Muito, mesmo.
beijo
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