28 de jul. de 2009

Com A Palavra: A Ficção


Eu não tinha 8 anos e minha rotina era passar a manhã na escola e a tarde toda me divertindo. Depois da refeição reforçada, com muito óleo e eletricidade, quando não estava na sala de projeção de realidade 3D, brincava com meus amigos de piqueesconde na sala de teletransporte molecular. Às vezes perdíamos (ou ganhávamos) horas procurando uns aos outros. Era cada lugar esquisito que a gente se metia. Outro dia, o pentelho do Joãozinho 13R05, um modelo bem semelhante ao meu, foi parar no Alto Alaska, e só para rastreá-lo gastamos mais de um dia. Era muito divertido.

Outras vezes, ainda que proibido, pegávamos as pistolas de EstopimX11 Beta de nossos pais e brincávamos de Paint Ball na sala de Projeção de Realidade 3D. Lógico que depois tínhamos que ouvir a bronca de nossos pais, quando não éramos também castigados. Mas valia à pena, afinal, naquela época, o que era ficar uma semana sem poder me teletransportar se eu ainda tinha meu Velocípede RX2 para me distrair e voar.

Porém, um dia, em mais uma tarde normal de diversão na máquina de teletransporte do meu pai, me deparei com o que mudaria completamente a minha vida. Era a vez de Mariazinha T11 contar e nós nos escondermos. Entrei correndo no tubo e apertei distraído os botões de comando. A máquina ficou louca e até hoje não sei como fui parar naquele lugar, naquele tempo. Foi muito chocante o que vi. Os robôs eram totalmente diferentes.. Me assustei muito e eles também. Primeiro, não era mais uma máquina qualquer de teletransporte. A cápsula do meu destino agora se parecia com uma orelha gigante. No desespero, com aquele tanto de robôs me olhando e gritando, apertei os botões daquela engenhoca antiga, indiquei o meu novo destino e sumi.

Tudo teria sido só uma aventura, apesar de muito estranha, se não fosse o que lhes conto agora. Quando me estiquei para apertar os botões do teletransporte, um pedaço de material branco e fino que estava sobre a bancada da máquina ficou preso em meu braço. Na hora foi chocante. O objeto não identificado voltou comigo para casa, e quando consegui me recompor o joguei bem longe de mim. Minha mãe, com a gritaria, veio correndo saber o que estava acontecendo. Me viu olhando o objeto e parou, boquiaberta. Seu rosto era de quem sabia o que era mas de que não estava acreditando.

Mais tarde, sentado ao seu lado e segurando o objeto, minha mãe me explicou do que se tratava. Era o papel. Há milhares de anos atrás as pessoas documentavam no papel. Era estranho, pois minha mãe ainda disse que era com as próprias mãos. Não tinha aquela de conectar-se com o computador, era só pegar o que chamavam de lápis e “digitar”. Minha mãe me contou uma história surpreendente de que existiam pessoas que passavam o dia documentando com aquele objeto. Alguns inventavam histórias surpreendentes, que até se pareciam muito com a nossa vida de hoje.

Aquilo me deixou com a Pulga T07 atrás da orelha. Sem querer, voltei ao passado e sem querer eu gostei. Agora, sem querer eu estou aqui e não consigo querer outra coisa se não voltar no tempo outra vez.

17 de jul. de 2009

Medo



Nessa cidade,
Eu me sinto um sem nome.
Me pesa a idade
Vivo no "acorda e come".

Vida sem graça, tão pouca.
Vida escaça, vida rouca.
Que pena da vida.
Vida louca.

Meu rosto velho,
Quase sem expressão,
Ainda espera da vida
Uma outra saída.

Também, dessa vida,
Eu não tenho medo.
Bobagem.

Temia deixar a vida mais cedo.
Hoje eu vejo que o medo (o meu medo)
É a única porta da coragem.

1 de jul. de 2009

Talvez Seja Mesmo Um Conto de Terror


O futebol na rua ia sempre até a noite chegar. Às vezes passava, e mesmo de noite, a pelada continuava. No entanto, a verdade era que o futebol ia sempre até alguém jogar a bola na casa abandonada. O jogo sempre acabava quando a bola parava por lá. Era uma casa diferente. Não só assombrada, mas uma incógnita. Ninguém sabia se era mesmo uma casa assombrada. Mas até que provassem o contrário ela era assombrada. Quando a bola caia por lá, alguém tinha que pular pro quintal para pegá-la e o futebol sempre perdia a graça. Acabava. Era a hora de terminar. Por sorte, a bola nunca tinha quebrado um vidro da casa, parava ali mesmo no quintal. Não até aquele dia.

Todos saíram correndo quando Marcos, o dono da bola, a arremessou longe como um zagueiro nos minutos finais de uma Copa do Mundo. Marcos ficou ali parado pensando na sua bola, que agora estava lá dentro daquele castelo escuro e quieto. Não tinha outro jeito, ele teria que entrar. Não podia correr como os outros e ficar sem a bola. Seu pai não lhe perdoaria. Chorou tanto para tê-la e agora ficaria sem por causa de uma casa escura e calada. Não. De algum jeito Marcos arrumaria coragem para buscá-la.

Pulou o portão, como sempre faziam, entrou pelo quintal. A porta era de metal com preenchimento de vidro. Todos quebrados. Marcos enfiou a mão por fora e abriu a porta, que rangeu como se nunca tivesse sido aberta. Tremeu como uma verdadeira vara verde de bambu. Sentiu um vento que vinha de dentro da casa. Lá fora nenhuma folha de árvore se mexia. O piso era todo de madeira velha que conversava com Marcos a cada passo que dava. O chão falava. Falava para Marcos tomar cuidado. Nunca se sabia o que estaria lá em cima, muito menos embaixo da casa velha. Marcos foi para as escadas, morrendo de medo. Estava muito escuro. Não tinha interruptor. A casa era tão velha que não tinha fiação elétrica. Somente suportes nas paredes para as velas, como nos velhos casarões.

Devagar, Marcos foi subindo uma a uma as escadas. A cada degrau, um rangido diferente. Parecia choro. Marcos pisava e a casa velha se lamentava.

No meio das escadas, o garoto ouviu um barulho. Parecia burburim de pessoas conversando. Que medo teve o jovenzinho. Sua bola já não valeria tanto. Mas além do medo, Marcos teve curiosidade. Que conversa era aquela? De onde vinha? Quem eram essas pessoas? E a sua bola? O que estaria fazendo lá, no meio desse amedrontoso cômodo?

Marcos continuou a subida por aquela escada comprida e castigada pelo tempo. Ouviu o barulho de bola no chão como se jogassem futebol, ali mesmo naquele piso de madeira. Mas Marcos ainda não via nada além de escada. O que estava acontecendo por ali? Marcos rezou e tremeu. Mais tremeu que rezou.

Silêncio. O barulho parou de repente. Marcos não ouvia mais nada. Continuou a subida, devagar, até avistar uma porta. Dela saia um feixe de luz forte. Por baixo, dava para perceber movimentos e uma luz branca e forte no interior do cômodo. Seria uma passagem pra um plano espiritual ou só uma sala de reuniões dos condôminos do bairro? O que era aquilo que deixava Marcos cada vez mais branco e perto da morte? Antes de pensar se sairia correndo ou se desmaiaria ali mesmo a porta se abriu. Uma enorme silhueta se formou diante de Marcos e a porta aberta. O garoto não pensou e só correu como correria em uma última tentativa de manter-se vivo. Correu tanto que não conseguiu ouvir a voz que ria e gritava: “a sua bola, garoto! Não se esqueça da sua bola”.

Marcos não sabia o que contar. A história poderia ser assombrada ou cômica, dependeria de como Marcos a contaria. Sabia que ninguém acreditaria em nada, muito menos seu pai que lhe castigaria pela perda da bola. Mas acima de tudo ficava a pergunta acesa na mente de Marcos: se não tinha energia na casa, de onde vinha aquela luz?