27 de out. de 2009

O Ticket










Paraibano, acabado de chegar na cidade grande, arrumou emprego de faz-de-tudo em uma loja de eletrônicos no Shopping Center da capital. Seu primeiro serviço seria entregar alguns produtos que uma freguesa muito rica havia comprado. Eram tantos produtos que não caberiam na motinha que havia adquirido com o dinheiro da casa que deixou lá no sertão. Iria na van da empresa.


- Sabe dirigir, seu Máique?
- Sei, sim sinhô!
- Então pegue a van e vá entregar esses produtos nesse endereço aqui. Não demore. Vai!
- Pode deixar!


Tudo era muito moderno pro paraibano. Os tempos suados vividos no interior do sertão não lhe serviam mais pra muita coisa. Era tanta modernidade. Coisa igual só tinha visto nos filmes que passavam na televisão do Seu Benedito, o dono da vendinha lá da sua cidade.


Entrou na van e partiu. Porém, logo ali, na saída do shopping, entre o estacionamento e a rua, Máique ficou cara a cara com o que, pra ele, era a sua pior inimiga: a tecnologia. Quem poderia imaginar que uma cancela de estacionamento seria tão tecnológica e, ao mesmo tempo, amedrontadora para o simples nordestino.


Um braço cumprido de aço estendido à sua frente, na horizontal, impedia a sua saída. Ao lado, uma caixa pequena de metal com um botão vermelho guardava alguma coisa que Máique ainda não sabia o que era. Sabia que botões serviam pra alguma coisa, normalmente pra ajudar ou atrapalhar.


Instintivamente, apertou o botão e esperou. Nada aconteceu. Máique estava inseguro e um pouco impaciente. Tinha uma entrega pra fazer e não podia ficar ali o dia inteiro. Apertou o botão novamente e, quase que no mesmo instante, ouviu uma voz desesperada que saía de dentro da caixa:


- Insira o tíqueti, pú favô!


O paraibano se assustou. De onde vinha aquele grito?


- Insira o tíqueti! – repetiu a caixinha.
- Quem tá aí??? – gritou Máique, assustado, se dirigindo para a pequena caixa.
- Óie! O cê precisa inserí o tíqueti na máquina. Insira o tíqueti, pú favô! – disse novamente e já impaciente.
- Onde é que o cê tá? Saia daí de dentro e lute como homi, cabra frouxo!
- In-si-ra o tí-que-ti, pú fa-vô!


Na hora, Máique reconheceu o sotaque que vinha de dentro daquele cubo de metal. Era também um nordestino que estava ali, preso naquela caixa. De dentro do estacionamento, uma fila de carros já havia se formado atrás da van. Alguns estavam nervosos com a demora, mas nenhum estava tão assustado como o Máique.


- Comé que o cê foi pará aí dentro, homi??? – gritou Máique, quase que chorando.
- O senhô precisa colocá o tíqueti na máquina.
- Calma que eu vô lê tirá daí. – disse o paraibano enquanto descia ligeiro da van.


Máique começou a puxar a caixa, numa tentativa de abri-la a todo custo. Os seguranças logo foram chamados e o rapaz, ao ver que ia ser pego, pulou o tal braço do robô que estava à sua frente e saiu em disparada pra fora do estacionamento.


Assustado, resolveu, naquela mesma hora, que não ficaria mais um minuto na cidade grande. Venderia sua moto, o único bem que lhe sobrou, e voltaria já para o sertão. Ele sabia que essa tal de convergência tecnológica era uma grande mentira.


Naquele dia, Máique pôde comprovar sua tese de que “por trás de um grande invento, há sempre um nordestino ganhando um mísero tento.” 

Um comentário:

Daiany Maia disse...

Meeeu,que imagem! Vi toda a cena. Valia um curtinha.